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5 de junho de 2018

ENTREVISTA: João Doria poderia se tornar “embaixador” do problema da tarifa de ônibus em todo o país

ENTREVISTA: João Doria poderia se tornar “embaixador” do problema da tarifa de ônibus em todo o país

Afirmação é do presidente NTU, Otávio Cunha. Um estudo elaborado pela entidade deve ser entregue ao prefeito eleito de São Paulo. De acordo com o trabalho, se houvesse aumento no combustível para subsidiar os transportes públicos, no final das contas, o Brasil registraria uma deflação de 0,38% no IPCA

ADAMO BAZANI

Após as reações negativas sobre os efeitos que um eventual congelamento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo, como prometido por João Dória, poderia trazer a outros sistemas em todo país, agora é a vez de mostrar ao prefeito eleito da capital paulista, alternativas de como baratear as tarifas sem comprometer os cofres dos municípios e Estados, sem causar impactos negativos no retorno dos empresários de ônibus e também sem diminuir a qualidade dos serviços para os passageiros.

A NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, que reúne em torno de 500 viações em todo Brasil, elaborou um estudo que mostra que taxando os combustíveis, mas reduzindo o valor das tarifas dos transportes públicos, seria possível conseguir uma redução de 0,38% no IPCA – Índice de Preços ao Consumidor – Amplo, a  inflação oficial do país. (Você pode ter acesso ao estudo completo no final desta matéria).

Nesta quinta-feira, o Diário do Transporte conversou com presidente da NTU, Otávio Cunha. O executivo comentou que o presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, Marcio Lacerda, comandante do Paço de Belo Horizonte, disse a ele por telefone que tentará levar o estudo a João Doria, antes do dia 25, quando o prefeito eleito de São Paulo deve se encontrar com o presidente Michel Temer, justamente para discutir como pode obter ajuda para manter a tarifa dos ônibus em R$ 3,80.

“De fato, uma coisa que não é de conhecimento da população, é que os 3.300 municípios do Brasil com serviço de transporte regular têm uma realidade completamente diferente de São Paulo. Em São Paulo, existe uma complementação de aproximadamente 30% dos custos dos transportes, o que não ocorre na maior parte do Brasil. A promessa de congelar a tarifa pode soar como música para quem disputa o segundo turno nos demais municípios. A maior parte das cidades não tem complementação de tarifa, é só passageiro que paga. Se houver congelamento [do valor das passagens] nesta outras  cidades, até maio o sistema de transportes no Brasil pode entrar em colapso” – disse Otávio Cunha.

Segundo o presidente da NTU, o estudo está em consonância com a proposta de emenda constitucional que prevê a criação de uma Cide municipal, ou seja, um imposto sobre a comercialização de combustíveis de carros e motos que poderia financiar parte das tarifas, em especial, gratuidades, integrações e outros benefícios de caráter social, hoje, embutidos no valor das passagens.

Como prefeito, João Doria não poderia diretamente legislar sobre o assunto em plano nacional, mas poderia articular e fazer parte das negociações com o Governo Federal e com Congresso, onde o tema ainda está em tramitação.

“Até mesmo pela importância da cidade de São Paulo, tanto no contexto político atual como pelo seu vulto econômico, João Doria poderia se tornar um aliado, até mesmo um ‘Embaixador’ do problema da tarifa no Brasil. Há uma defasagem grande no setor que vem sendo paga pelas empresas e pelos passageiros. É necessário que João Doria se sensibilize e tenha conhecimento desses números”

Segundo o estudo, se houvesse um aumento hoje de R$ 0,19 no litro da gasolina, álcool e GNV, excluindo o diesel para não sobrecarregar os transportes públicos e os transportes de cargas, poderia ser gerada uma receita de aproximadamente R$ 11 bilhões por ano. Este valor seria destinado para um fundo nacional para o transporte. Levando em conta que a arrecadação total do setor é, em torno de R$ 35 bilhões por ano, este fundo poderia reduzir em torno de 30% o valor das passagens de ônibus.

Ainda de acordo com o estudo, o aumento de R$ 0,19 no litro dos combustíveis geraria pressão de 0,322% no IPCA. Mas a redução de 30% no valor das passagens dos transportes públicos resultaria em diminuição de 0,7% do IPCA. No final das contas, contando a inflação gerada pelo aumento do combustível e a deflação pela redução das tarifas de transportes públicos, o IPCA ficaria 0,38% menor.

E é justamente o peso da tarifa dos ônibus paulistanos no IPCA, que será um dos argumentos que Doria deve usar para tentar convencer Temer a liberar recursos federais para o congelamento em São Paulo.

“A questão da Cide Municipal, de início pode até gerar queixas, mas trará grandes benefícios para a mobilidade urbana. Além disso, é importante pelo fato de o transporte individual financiar o transporte público, o que seria justo. Hoje os meios individuais ocupam 70% das vias, mas só transportam 20% das pessoas que se deslocam todos os dias” – explicou Otávio.

DEFASAGEM PODE SER DE ATÉ 20%

Apesar de o prefeito eleito João Doria dizer que seriam necessários mais R$ 500 milhões em subsídios em 2017 para manter a tarifa de ônibus em R$ 3,80, técnicos da atual gestão Fernando Haddad, que elaboraram a previsão de Orçamento para o ano que vem, dizem que o congelamento vai gerar uma necessidade de mais R$ 1 bilhão em complementações, além de R$ 1,7 bilhão previsto na peça orçamentária.

Esses valores significam que a tarifa de ônibus em São Paulo tem uma defasagem real de 14,28% .

No entanto, de acordo com a NTU, no país, a defasagem das tarifas em relação aos custos de operação é ainda maior e pode variar entre 15% e 20%, dependendo de cada sistema local.

Para esse cálculo, a NTU levou em conta a queda da demanda de passageiros, na ordem de 9% no último ano em média no País, e a inflação em torno de 10%.

“Em relação à queda da demanda, não tem muito a ser feito do ponto de vista econômico. Não dá para reduzir viagens, principalmente no horário de pico. O número de viagens é estipulado pelo poder público. Mesmo que haja uma redução [de viagens] fora do horário de pico, teríamos uma compensação de apenas entre 2% e 3%” –  explicou Otávio Cunha.

O presidente da NTU diz que um dos resultados desta defasagem das tarifas em relação aos custos é o envelhecimento da frota de ônibus urbanos em todo país. As empresas acabam não renovando os veículos.

Cunha ainda disse que entre 1994 e o primeiro semestre de 2016, houve uma queda de 33% na demanda do transporte coletivo, apesar do crescimento populacional, e que a produtividade de cada ônibus diminuiu mais da metade. Em 1994, cada ônibus transportava entre 800 e 900 passageiros por dia em média no Brasil. Agora são 480 passageiros por ônibus.

Parte dessa realidade se dá também pela ausência de políticas públicas para ampliação dos espaços preferenciais aos transportes coletivos.

Para transportar a mesma quantidade de pessoas que antes, é necessário um número maior de ônibus, isso porque os coletivos ficam presos nos congestionamentos e fazem menos viagens.

Otávio Cunha disse que a partir de 2007, começou haver mais investimentos no Brasil em faixas e corredores de ônibus, mas que ainda precisa ser feito mais.

O ESTUDO:

Para a elaboração do estudo, que segundo a NTU, mostra que a Cide Municipal pode reduzir a inflação ao fazer com que as tarifas de ônibus caiam 30%, a entidade usou indicadores  fornecidos  pelo  Banco  Central  do  Brasil  (BCB)  e  o  Instituto  Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que classificam a gasolina, a tarifa do ônibus urbano e o gás veicular como  itens de preços administrados no IPCA.

A gasolina, a tarifa do ônibus municipal e o gás veicular impactam em 3,911%, 2,644%, 0,11% no IPCA, respectivamente (agosto/2016). Já o etanol (retirado dos itens de preços administrados em 2002) representa 0,877% do IPCA.

 

(Fonte: Blog O Ponto de Ônibus)